quarta-feira, 21 de maio de 2008

FRANK GEHRY E NIEMEYER



Quando vi o Museu Guggenheim em Bilbao pela primeira vez, pessoalmente, achei-o menos surpreendente do que nas fotos, nas quais parecia uma alucinante e futurista escultura de titânio. Era difícil, mesmo para um arquiteto, acreditar que poderia haver uma “ordem arquitetônica” alí e que a revolução formal pretendida resultasse em beleza para olhos acostumados à tradição da arquitetura limpa de inspiração modernista. Quando cheguei perto da obra, apesar de só poder apreciá-la de fora (não pude entrar, pois o museu estava fechado no dia em que o visitei) consegui compreendê-la melhor, mas mesmo assim ela não me cativou de cara como outras grandes obras arquitetônicas, cuja beleza apreciada de perto, muitas vezes, me emocionara. O prédio - ou aquela escultura na qual se podia penetrar e exercer atividades - me pareceu uma construção extremamente tecnológica e portanto fria. Aquelas formas mirabolantes só poderiam ser projetadas e construídas com a ajuda de poderosos programas de computação gráfica e alto desenvolvimento tecnológico de materiais, portanto com um suporte técnico e um custo muito elevados. Apesar do espetáculo urbano que o projeto provocou, atraindo investimentos urbanos e turísticos para Bilbao e potencializando o efeito midiático da “arquitetura de resultados”, a euforia gehryana não me contagiou. Não havia nela a simplicidade, a leveza e a espontaneidade do traço arquitetônico de um Niemeyer, por exemplo.

Esta impressão modificou-se bastante quando assisti ao documentário “ Sketches of Frank Gehry” de Sidney Pollack. Ao invés de seguir vendo Gehry como um contraponto a Niemeyer, passei a vê-lo como um continuador deste, (embora Gehry provavelmente não se veja assim), no rompimento da rigidez formal da arquitetura (clássica e moderna também) e na incorporação da forma livre como expressão arquitetônica acima de tudo. Ou acima da função, de acordo com a conhecida polêmica entre arquitetos formalistas e funcionalistas. Assim como Niemeyer, Gehry, antes de ser um arquiteto é um genial escultor e trata desta forma a obra arquitetônica. Há discordâncias quanto a “boa arquitetura” ser, antes de tudo, formal, mas há de se reconhecer a grande plasticidade dos projetos de Gehry e Niemeyer. É claro que nem sempre esta plasticidade significa beleza para a maior parte das pessoas. Ou seja, Gehry e Niemayer também projetam obras que são consideradas feias e sem a genialidade de suas obras primas.

Interessante é vermos ambos - Gehry e Niemeyer – como homens simples e poetas do traço livre, que preferem conceber suas obras a partir de croquis desenhados a mão. Nenhum dos dois desenha em computador, embora tenham equipes de profissionais altamente treinados em sofisticadas tecnologias a os assessorar. Os dois pensam a arquitetura, desde a concepção do projeto, como volume plástico e objeto escultório que deve proporcionar surpresa e emoção às pessoas em primeiro lugar. O que os diferencia: Em Gehry é o arrojo das formas curvilíneas e o uso sofisticado de materiais “high tech” que cria a surpresa arquitetônica, em Niemeyer é a singeleza e sofisticação do traço curvo e o desenho limpo que levam à beleza. Gehry esculpe no metal – material caro e sofisticado da arquitetura de impacto midiática do Sec XXI , Niemeyer no concreto– material barato e terceiromundista, a pedra transformada em arte edificada pela arquitetura brasileira modernista da década de 1950/60.

Gehry, como ele mesmo afirma, consequiu dar vazão ao seu poder criativo e conseguiu ousar na profissão com o auxílio da terapia . Niemeyer sempre afirmou que dá menos importância à arquitetura – a qual exerce diariamente até hoje com seus 100 anos - do que a vida. Conclui-se que é o aspecto humano que diferencia estes mestres dos demais profissionais. Há razão, contudo, em muitas críticas a eles feitas e muitas vezes se percebe contradição na humanidade que desejam para a sua arquitetura e no que ela, de fato, representa, enquanto símbolo de monumentalidade e de poder. Porém contradição, desigualdade, paradoxo, beleza e caos são traços próprios da arte (arquitetura incluída) e não se pode cobrar coerência dela, sob pena de esterelizá-la.
PS - a foto das obras de Niemeyer (Museu da República e Catedral de Brasília) são de autoria de Júlio Reis Jatobá

Um comentário:

Vianney disse...

Serginho querido,

Olhaí, cara, você de jornalista, e de boa cepa!!!!
Gostei super dos textos, tanto os do Campeche, com pesquisa histórica e tudo para valorizar as fotos, quanto sobre as tais novas arquiteturas espanholas, que são mais imposições de tecnologia de estrutura do que arte, na minha parca (ou porca) opinião.
Parabéns, jóia total o blog!!!
Vianney